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quarta-feira, 28 de maio de 2014

DECLARAÇÃO CONJUNTA SOBRE A DOUTRINA DA JUSTIFICAÇÃO

Preâmbulo


1. A doutrina da justificação teve importância central para a Reforma luterana do século XVI. Era considerada o "primeiro e principal artigo" [1] e simultaneamente "regente e juiz sobre todas as partes da doutrina cristã" [2]. A doutrina da justificação foi particularmente sustentada e defendida em sua expressão reformatória e sua relevância especial face à teologia e à Igreja católica romana de então as quais, por sua vez, sustentavam e defendiam uma doutrina da justificação com características diferentes. Aqui, segundo a prospectiva reformatória, residia o cerne de todas as confrontações. Elas resultaram em condenações doutrinais nos escritos confessionais luteranos [3] e no Concílio de Trento da Igreja católica romana. Essas condenações vigoram até hoje e têm efeito divisor entre as Igrejas.

2. Para a tradição luterana a doutrina da justificação conservou essa relevância especial. Por isso, desde o início, ela também ocupou um lugar importante no diálogo oficial luterano-católico.

3. Remetemos em especial aos relatórios "O evangelho e a Igreja" (1972) [4] e "Igreja e justificação" (1994) [5], da Comissão Mista católica romana/evangélica luterana internacional, ao relatório "Justificação pela fé" (1983) [6], do diálogo católico-luterano nos Estados Unidos, e ao estudo "Condenações doutrinais - divisoras das Igrejas?" (1986) [7], do Grupo de Trabalho Ecumênico de teólogos evangélicos e católicos na Alemanha. Alguns destes relatórios de diálogo obtiveram recepção oficial. Exemplo importante constitui o posicionamento compromissivo emitido pela Igreja Evangélico-Luterana Unida da Alemanha, juntamente com as outras Igrejas pertencentes à Igreja Evangélica na Alemanha, com o máximo grau possível de reconhecimento eclesiástico do estudo sobre as condenações doutrinais (1994) [8].


4. Todos os relatórios de diálogo citados, bem como os posicionamentos a seu respeito, revelam em seu tratamento da doutrina da justificação, alto grau de orientação e juízos comuns. Por isso está na hora de fazer um balanço e de resumir os resultados dos diálogos sobre a justificação, de modo a informar nossas Igrejas, com a devida precisão e brevidade, sobre o resultado geral desse diálogo e de dar-lhes, ao mesmo tempo, condições de se posicionarem de modo compromissivo a respeito.

5. É isso o que pretende a presente Declaração Conjunta. Ela quer mostrar que, com base no diálogo, as Igrejas luteranas signatárias e a Igreja católica romana [9] estão agora em condições de articular uma compreensão comum de nossa justificação pela graça de Deus na fé em Cristo. Esta Declaração Comum (DC) não contém tudo o que é ensinado sobre justificação em cada uma das Igrejas, mas abarca um consenso em verdades básicas da doutrina da justificação e mostra que os desdobramentos distintos ainda existentes não constituem mais motivo de condenações doutrinais.

6. Nossa DC não é uma exposição nova e independente, ao lado dos relatórios de diálogo e documentos já existentes, nem pretende, muito menos, substitui-los. Ela se reporta, antes, a esses textos e sua argumentação.


7. Assim como os próprios diálogos, também esta DC se baseia na convicção de que uma superação de questões controversas e de condenações doutrinárias até agora vigentes não minimiza as divisões e condenações nem desautoriza o passado da própria Igreja. Repousa, porém, sobre a convicção de que no decorrer da história nossas Igrejas chegam a novas percepções e de que ocorrem desdobramentos que não só lhes permitem, mas ao mesmo tempo também exigem, que as questões e condenações divisoras sejam examinadas e vistas sob uma nova luz.


1. A mensagem bíblica da justificação

8. Fomos levados a essas novas percepções por nossa maneira conjunta de escutar a palavra de Deus nas Escrituras Sagradas. Juntos ouvimos o evangelho de que "Deus amou o mundo de tal maneira que deu Seu Filho unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna" (Jo 3, 16). Esta Boa Nova é exposta de diferentes maneiras nas Escrituras Sagradas. No Antigo Testamento ouvimos a palavra de Deus sobre a pecaminosidade humana (cf. Sl 51, 1-5; Dn9, 5 s.; Ecl 8, 9 s.; Esd 9, 6 s.) e sobre a desobediência humana (cf. Gn 3, 1-19; Ne 9, 16 s.26), bem como sobre a justiça (cf. Is 46, 13; 51, 5-8; 56, 1 [cf. 53, 11]; Jr 9, 24) e o juízo de Deus (cf.Ecl 12, 14; Sl 9, 5 s.; 76, 7-9).

9. No Novo Testamento os temas "justiça" e "justificação" são abordados de maneira diferenciada em Mateus (cf. 5, 10; 6, 33; 21, 32), em João (cf. 16, 8-11), na Epístola aos Hebreus (cf. 5, 13; 10, 37 s.) e na Epístola de Tiago (cf. 2, 14-26). [10] Também nas cartas paulinas o dom da salvação é descrito de diferentes modos, entre outros como "libertação para a liberdade" (Gl 5, 1-13; cf. Rm 6, 7), como "reconciliação com Deus" (2 Cor 5, 18-21; cf. Rm 5, 11), como "paz com Deus" (Rm 5, 1), como "nova criação" (2 Cor 5, 17), como "vida para Deus em Cristo Jesus" (Rm 6, 11-23) ou como "santificação  em  Cristo Jesus"  (cf.  1  Cor  1, 2; 1, 30; 2 Cor 1, 1). Salienta-se entre esses conceitos a descrição como "justificação" do pecador pela graça de Deus na fé (cf. Rm 3, 23-25), que foi destacada de maneira especial no tempo da Reforma.

10. Paulo descreve o evangelho como poder de Deus para a salvação do ser humano caído sob o poder do pecado:  como mensagem que proclama a "justiça de Deus de fé em fé" (Rm 1, 16 s.) e que presenteia a "justificação" (Rm 3, 21-31). Ele anuncia Cristo como "nossa justiça" (1 Cor 1, 30) ao aplicar ao Senhor ressuscitado o que Jeremias disse acerca do próprio Deus (cf. 23, 6). Na morte e na ressurreição de Cristo estão enraizadas todas as dimensões de sua obra redentora, porque "nosso Senhor foi entregue por causa de nossas transgressões e ressuscitou por causa de nossa justificação" (Rm 4, 25). Todos os seres humanos necessitam da justiça de Deus, "pois todos pecaram e carecem da glória de Deus" (Rm 3, 23; cf. Rm 1, 18-3.22; 11, 32; Gl 3, 22). Nas cartas aos Gálatas (cf. 3, 6) e aos Romanos (cf. 4, 3-9) Paulo entende a fé de Abraão (cf. Gn 15, 6) como fé no Deus que justifica o pecador (cf. Rm 4, 5) e invoca o testemunho do Antigo Testamento para sublinhar seu evangelho de que aquela justiça será imputada a todos os que, como Abraão, confiam na promessa de Deus. "O justo viverá pela fé" (Hab 2, 4; cf. Gl 3, 11; Rm 1, 17). Nas cartas paulinas a justiça de Deus é simultaneamente o poder de Deus para cada crente (cf. Rm 1, 16 s.). Em Cristo ele faz com que ela seja nossa justiça (cf. 2 Cor 5, 21). Recebemos a justificação por Cristo Jesus, "a quem Deus propôs, em seu sangue, como propiciação [eficaz] mediante a fé" (Rm 3, 25; cf. 3, 21-28). "Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não de obras" (Ef 2, 8 s.).

11. Justificação é perdão dos pecados (cf. Rm 3, 23-25; At 13, 39; Lc 18, 14), libertação do poder dominante do pecado e da morte (cf. Rm 5, 12-21) e da maldição da lei (cf. Gl 3, 10-14). Ela significa acolhida na comunhão com Deus, já agora, mas de forma plena no reino vindouro de Deus (cf. Rm 5, 1 s.). Une com Cristo e sua morte e ressurreição (cf. Rm 6, 5). Acontece no recebimento do Espírito Santo no batismo como incorporação no corpo uno (cf. Rm 8, 1 s., 9 s.; 1 Cor 12, 12 s.). Tudo isso provém somente de Deus, por amor de Cristo, por graça, pela fé no "evangelho de Deus com respeito a seu Filho" (cf. Rm 1, 1-3).

12. As pessoas justificadas vivem a partir da fé que provém da palavra de Cristo (cf. Rm 10, 17) e que atua no amor (cf. Gl 5, 6), o qual é fruto do Espírito (cf. Gl 5, 22 s.). Mas, visto que poderes e ambições atribulam as pessoas crentes por fora e por dentro (cf. Rm 8, 35-39; Gl 5, 16-21) e elas caem em pecado (cf. 1 Jo 1, 8.10), precisam repetidamente ouvir as promissões de Deus, confessar seus pecados (cf. 1 Jo 1, 9), participar do corpo e do sangue de Cristo e ser exortadas a viver uma vida justa em conformidade com a vontade de Deus. Por isso o apóstolo diz às pessoas justificadas:  "Desenvolvei vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer quanto o realizar, segundo a sua vontade" (Fl 2, 12 s.). Permanece, porém, a Boa Nova:  "Já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus" (Rm 8, 1) e nos quais Cristo vive (cf.Gl 2, 20). Por intermédio da obra justa de Cristo haverá justificação que dá vida para todos os seres humanos (cf. Rm 5, 18).

2. A doutrina da justificação como problema ecumênico

13. No século XVI, a interpretação e aplicação contrastantes da mensagem bíblica da justificação constituíram uma das causas principais da divisão da Igreja ocidental, o que também se expressou em condenações doutrinais. Por isso, para superar a divisão na Igreja, uma compreensão comum da justificação é fundamental e indispensável. Acolhendo resultados da pesquisa bíblica e percepções da história da teologia e dos dogmas, desenvolveu-se no diálogo ecumênico desde o Concílio Vaticano II uma nítida aproximação no que diz respeito à doutrina da justificação, de modo que a presente DC pode formular um consenso em verdades básicas da doutrina da justificação a cuja luz as correspondentes condenações doutrinais do século XVI não mais se aplicam ao parceiro de hoje.

3. A compreensão comum da justificação

14. O ouvir comum da Boa Nova proclamada nas Sagradas Escrituras e, não por último, os diálogos teológicos de anos recentes entre as Igrejas luteranas e a Igreja católica romana levaram a uma concordância na compreensão da justificação. Ela abarca um consenso nas verdades básicas; os desdobramentos distintos nas afirmações específicas são compatíveis com ela.


15. É nossa fé comum que a justificação é obra do Deus uno e trino. O Pai enviou seu Filho ao mundo para a salvação dos pecadores. A encarnação, a morte e a ressurreição de Cristo são fundamento e pressuposto da justificação. Por isso justificação significa que o próprio Cristo é nossa justiça, da qual nos tornamos participantes através do Espírito Santo segundo a vontade do Pai. Confessamos juntos:  somente por graça, na fé na obra salvífica de Cristo, e não por causa de nosso mérito, somos aceitos por Deus e recebemos o Espírito Santo, que nos renova os corações e nos capacita e chama para as boas obras [11].

16. Todas as pessoas são chamadas por Deus para a salvação em Cristo. Somos justificados somente por Cristo ao recebermos essa salvação na fé. A própria fé, por sua vez, é presente de Deus através do Espírito Santo, que atua na palavra e nos sacramentos na comunhão dos crentes e que, ao mesmo tempo, conduz os crentes àquela renovação de sua vida que Deus consuma na vida eterna.

17. Compartilhamos a convicção de que a mensagem da justificação nos remete de forma especial ao centro de testemunho neotestamentário da ação salvífica de Deus em Cristo:  ela nos diz que como pecadores devemos nossa vida nova unicamente à misericórdia perdoadora e renovadora de Deus, misericórdia esta com a qual só podemos ser presenteados e que só podemos receber na fé, mas que nunca - de qualquer forma que seja - podemos fazer por merecer.

18. Por isso a doutrina da justificação, que assume e desdobra essa mensagem, não é apenas um aspecto parcial da doutrina cristã. Ela se encontra numa relação essencial com todas as verdades da fé, as quais devem ser vistas numa conexão interna entre si. Ela é um critério indispensável que visa orientar toda a doutrina e prática da Igreja incessantemente para Cristo. Quando luteranos acentuam a importância singular desse critério, não negam a conexão e a importância de todas as verdades da fé. Quando católicos se sentem comprometidos com vários critérios, não negam a função especial da mensagem da justificação. Luteranos e católicos compartilham o alvo comum de confessar em tudo a Cristo, ao qual unicamente importa confiar, acima de todas as coisas, como mediador uno (cf. 1 Tm2, 5 s.) pelo qual Deus, no Espírito Santo, dá a si mesmo e derrama seus dons renovadores.

4. O desdobramento da compreensão comum da justificação
4.1. Incapacidade e pecado humanos face à justificação

19. Confessamos juntos que o ser humano, no concernente à sua salvação, depende completamente da graça salvadora de Deus. A liberdade que ele possui para com as pessoas e coisas do mundo não é liberdade com relação à salvação. Isto quer dizer que, como pecador, ele se encontra sob o juízo de Deus, sendo por si só incapaz de se voltar a Deus em busca de salvamento, ou de merecer sua justificação perante Deus, ou de alcançar a salvação pela própria força. Justificação acontece somente por graça. Porque católicos e luteranos confessam isso conjuntamente, deve-se dizer: 

20. Quando católicos dizem que o ser humano "coopera" no preparo e na aceitação da justificação por assentir à ação justificadora de Deus, eles vêem mesmo nesse assentimento pessoal um efeito da graça, e não uma ação humana a partir de forças próprias.

21. Segundo a concepção luterana o ser humano é incapaz de cooperar em sua salvação, porque como pecador ele resiste ativamente a Deus e à sua ação salvadora. Luteranos não negam que o ser humano possa rejeitar a atuação da graça. Quando sublinham que o ser humano pode tão-somente receber (mere passive) a justificação, rejeitam com isso qualquer possibilidade de uma contribuição própria do ser humano para sua justificação, mas não negam sua plena participação pessoal na fé, que é operada pela própria palavra de Deus.

4.2. Justificação como perdão de pecados e ato de tornar justo

22. Confessamos juntos que Deus, por graça, perdoa ao ser humano o pecado, e o liberta ao mesmo tempo do poder escravizador do pecado em sua vida e lhe presenteia a nova vida em Cristo. Quando o ser humano tem parte em Cristo na fé, Deus não lhe imputa seu pecado e, pelo Espírito Santo, opera nele um amor ativo. Ambos os aspectos da ação graciosa de Deus não devem ser separados. Eles estão correlacionados de tal maneira que o ser humano, na fé, é unido com Cristo que em sua pessoa é nossa justiça (cf. 1 Cor 1, 30):  tanto o perdão dos pecados quanto a presença santificadora de Deus. Porque católicos e luteranos confessam isso conjuntamente, deve-se dizer: 


23. Quando luteranos enfatizam que a justiça de Cristo é nossa justiça, querem sobretudo assegurar que ao pecador, pelo anúncio do perdão, é representada a justiça perante Deus em Cristo e que sua vida é renovada somente em união com Cristo. Quando dizem que a graça de Deus é amor que perdoa ("favor de Deus") [12], não negam com isso a renovação da vida do cristão, mas querem expressar que a justificação permanece livre de cooperação humana, tampouco dependendo do efeito renovador de vida que a graça produz no ser humano.

24. Quando católicos enfatizam que ao crente é presenteada a renovação da pessoa interior pelo recebimento da graça, [13] querem assegurar que a graça perdoadora de Deus sempre está ligada ao presente de uma nova vida, que no Espírito Santo se torna efetiva em amor ativo; mas não negam com isso que o dom da graça divina na justificação permanece independente de cooperação humana.

4.3. Justificação por fé e por graça

25. Confessamos juntos que o pecador é justificado pela fé na ação salvífica de Deus em Cristo; essa salvação lhe é presenteada pelo Espírito Santo no batismo como fundamento de toda a sua vida cristã. Na fé justificadora o ser humano confia na promessa graciosa de Deus; nessa fé estão compreendidos a esperança em Deus e o amor a Ele. Essa fé atua pelo amor; por isso o cristão não pode e não deve ficar sem obras. Mas tudo o que, no ser humano, precede ou se segue ao livre presente da fé não é fundamento da justificação nem a faz merecer.


26. Segundo a compreensão luterana, Deus justifica o pecador somente na fé (sola fide). Na fé o ser humano confia inteiramente em seu Criador e Redentor e está assim em comunhão com ele. Deus mesmo é quem opera a fé ao produzir tal confiança por sua palavra criadora. Porque essa ação divina constitui uma nova criação, afeta todas as dimensões da pessoa e conduz a uma vida em esperança e amor. Assim, na doutrina da "justificação somente pela fé", a renovação da conduta de vida que necessariamente se segue à justificação, e sem a qual não pode haver fé, é distinguida da justificação, mas não é separada dela. Com isso é indicado, antes, o fundamento do qual provém tal renovação. Do amor de Deus, que é presenteado ao ser humano na justificação, provém a renovação da vida. A justificação e a renovação estão ligadas pelo Cristo presente na fé.

27. Também segundo a compreensão católica a fé é fundamental para a justificação, pois sem fé não pode haver justificação. Como ouvinte da palavra e crente o ser humano é justificado por meio do batismo. A justificação do pecador é perdão dos pecados e ato que torna justo através da graça justificadora, que nos torna filhos e filhas de Deus. Na justificação as pessoas justificadas recebem de Cristo fé, esperança e amor e são assim acolhidas na comunhão com Ele. [14] Essa nova relação pessoal com Deus se baseia inteiramente na graciosidade divina e fica sempre dependente da atuação criadora de salvação do Deus gracioso, que permanece fiel a si mesmo e no qual o ser humano pode por isso confiar. Por esta razão a graça justificadora nunca se converte em posse do ser humano, à qual ele pudesse apelar diante de Deus. Quando, segundo a compreensão católica, se acentua a renovação da vida através da graça justificadora, essa renovação em fé, esperança e amor sempre depende da graça inescrutável de Deus e não representa qualquer contribuição para a justificação da qual pudéssemos orgulhar-nos diante de Deus (cf. Rm 3, 27).

4.4. A  pessoa  justificada  como  pecadora

28. Confessamos juntos que no batismo o Espírito Santo une a pessoa com Cristo, a justifica e realmente a renova. Não obstante, a pessoa justificada durante toda a vida permanece incessantemente dependente da graça de Deus que justifica de modo incondicional. Também ela está continuamente exposta ao poder do pecado e suas investidas (cf. Rm 6, 12-14), não estando isenta da luta vitalícia contra a oposição a Deus em termos de cobiça egoísta do velho Adão (cf. Gl 5, 16;Rm 7, 7.10). Também a pessoa justificada precisa pedir, como no Pai Nosso, a cada dia, o perdão de Deus (cf. Mt 6, 12; 1 Jo 1, 9), é chamada constantemente à conversão e ao arrependimento e recebe continuamente o perdão.

29. Luteranos entendem isso no sentido de que a pessoa cristã é "ao mesmo tempo justa e pecadora":  ela é totalmente justa porque Deus, por palavra e sacramento, lhe perdoa o pecado e lhe concede a justiça de Cristo, da qual ela se apropria pela fé e a qual em Cristo a torna justa diante de Deus. Olhando, porém, para si mesma através da lei, ela reconhece que continua ao mesmo tempo totalmente pecadora, que o pecado ainda habita nela (cf. 1 Jo 1, 8; Rm 7, 17.20):  porque reiteradamente confia em falsos deuses e não ama a Deus com aquele amor indiviso que Deus como seu criador dela exige (cf. Dt 6, 5; Mt 22, 36-40). Essa oposição a Deus é, como tal, verdadeiramente pecado. Não obstante, graças ao mérito de Cristo, o poder escravizante do pecado está rompido:  já não é pecado que "domina" a pessoa cristã por estar "dominado" por Cristo, com o qual a pessoa justificada está unida na fé; assim a pessoa cristã, enquanto vive na terra, pode ao menos em parte viver uma vida em justiça. E, a despeito do pecado, não está mais separada de Deus, porque no retorno diário ao batismo ela, que renasceu pelo batismo e pelo Espírito Santo, tem seu pecado perdoado, de sorte que seu pecado já não lhe acarreta condenação e morte eterna. [15] Portanto, quando luteranos dizem que a pessoa justificada é também pecadora e que sua oposição a Deus é verdadeiramente pecado, não negam que, a despeito do pecado, ela está inseparada de Deus em Cristo e que seu pecado é pecado dominado. Neste último aspecto estão em concordância com os católicos romanos, apesar das diferenças na compreensão do pecado da pessoa justificada.

30. Segundo a concepção católica, a graça de Jesus Cristo concedida no batismo apaga tudo o que é "realmente" pecado, o que é "digno de condenação" (Rm 8, 1),[16] mas que permanece na pessoa uma inclinação (concupiscência) proveniente do pecado e tendente ao pecado. Uma vez que, conforme a convicção católica, o surgimento dos pecados humanos sempre implica um elemento pessoal, e como este elemento falta naquela inclinação contrária a Deus, católicos não vêem nela pecado em sentido autêntico. Com isso não querem negar que essa inclinação não corresponde ao desígnio original de Deus para a humanidade nem que é objetivamente oposição a Deus e que permanece objeto de luta vitalícia; em gratidão pela redenção por intermédio de Cristo querem destacar que a inclinação contrária a Deus não merece o castigo de morte eterna [17] e não separa a pessoa justificada de Deus. Quando, porém, a pessoa justificada se separa voluntariamente de Deus, não basta voltar a observar os mandamentos, mas ela precisa receber, no sacramento da reconciliação, perdão e paz pela palavra do perdão que lhe é conferida por força da obra reconciliadora de Deus em Cristo.

4.5. Lei e evangelho

31. Confessamos juntos que o ser humano é justificado na fé no evangelho "independentemente de obras da lei" (Rm 3, 28). Cristo cumpriu a lei e, por sua morte e ressurreição, a superou como caminho para a salvação. Confessamos ao mesmo tempo que os mandamentos de Deus permanecem em vigor para a pessoa justificada e que Cristo, em sua palavra e sua vida, expressa a vontade de Deus, que constitui padrão de conduta também para a pessoa justificada.

32. Os luteranos sustentam que a distinção e a correta correlação de lei e evangelho é essencial para a compreensão da justificação. A lei, em seu uso teológico, é exigência e acusação às quais está sujeita durante a vida inteira toda pessoa, também pessoa cristã, na medida em que é pecadora; e a lei põe a descoberto seu pecado para que na fé no evangelho, ela se volte inteiramente para a misericórdia de Deus em Cristo, a qual unicamente a justifica.

33. Uma vez que a lei como caminho de salvação foi cumprida e superada pelo evangelho, católicos podem dizer que Cristo não é um legislador à maneira de Moisés. Quando católicos acentuam que a pessoa justificada é obrigada a observar os mandamentos de Deus, não negam com isso que a graça da vida eterna é misericordiosamente prometida aos filhos e filhas de Deus por Jesus Cristo [18].

4.6. Certeza de salvação

34. Confessamos  juntos  que  as pessoas  crentes  podem  confiar  na  misericórdia e nas promissões de Deus. Também em face de sua própria fraqueza e de muitas ameaças para sua fé, podem basear-se - graças à morte e ressurreição de Cristo - na promessa eficaz da graça de Deus em palavra e sacramento e, assim, ter certeza desta graça.

35. Isto foi acentuado de maneira especial pelos reformadores:  em meio à tribulação a pessoa crente não deve olhar para si mesma, mas inteiramente para Cristo e confiar somente nele. Assim, na confiança na promissão de Deus, ela tem certeza de sua salvação, mesmo que, olhando para si mesma, nunca esteja segura.

36. Católicos podem compartilhar da preocupação dos reformadores de basear a fé na realidade objetiva da promessa de Cristo, desconsiderando a própria experiência e confiando somente na palavra promitente de Cristo (cf. Mt 16, 19; 18, 18). Com o Concílio Vaticano II os católicos sustentam:  crer significa confiar-se inteiramente a Deus, [19] que nos liberta das trevas do pecado e da morte e nos desperta para a vida eterna. [20] Neste sentido não se pode crer em Deus e, ao mesmo tempo, não considerar confiável a promessa divina. Ninguém deve duvidar da misericórdia de Deus e do mérito de Cristo. Mas toda pessoa pode estar preocupada com sua salvação quando olha para suas próprias fraquezas e insuficiências. Mesmo inteiramente consciente de seu próprio fracasso, contudo, a pessoa crente pode ter certeza de que Deus quer sua salvação.

4.7. As boas obras da pessoa justificada

37. Confessamos juntos que boas obras - uma vida cristã em fé, esperança e amor - se seguem à justificação e são frutos da justificação. Quando a pessoa justificada vive em Cristo e atua na graça recebida produz, biblicamente falando, bom fruto. Essa conseqüência da justificação é ao mesmo tempo uma obrigação a ser cumprida pelo cristão, na medida em que luta contra o pecado durante a vida toda; por isso Jesus e os escritos apostólicos admoestam os cristãos a realizar obras de amor.

38. De acordo com a concepção católica, as boas obras, tornadas possíveis pela graça e pela ação do Espírito Santo, contribuem para um crescimento na graça de tal modo que a justiça recebida de Deus é conservada e a comunhão com Cristo, aprofundada. Quando católicos sustentam o caráter "meritório" das boas obras, querem dizer que, segundo o testemunho bíblico, essas obras têm a promessa de recompensa no céu. Querem destacar a responsabilidade do ser humano por seus atos, mas não contestar com isso o caráter de presente das boas obras nem, muito menos, negar que a justificação como tal permanece sendo sempre presente imerecido da graça.

39. Também entre os luteranos existe a idéia de uma preservação da graça e de um crescimento em graça e fé. Acentuam, contudo, que a justiça como aceitação da parte de Deus e participação na justiça de Cristo, sempre é perfeita; mas dizem ao mesmo tempo que seu efeito na vida cristã pode crescer. Quando vêem as boas obras da pessoa cristã como "frutos" e "sinais" da justificação, não como "méritos" próprios, não deixam, no entanto, de entender a vida eterna, conforme o Novo Testamento, como "galardão" imerecido no sentido do cumprimento da promessa divina aos crentes.

5. O significado e o alcance do consenso obtido

40. A compreensão da doutrina da justificação exposta nesta DC mostra que entre luteranos e católicos existe um consenso em verdades básicas da doutrina da justificação. À luz desse consenso as diferenças remanescentes na terminologia, na articulação teológica e na ênfase da compreensão da justificação descritas nos parágrafos 18 a 39 são aceitáveis. Por isso as formas distintas pelas quais luteranos e católicos articulam a fé na justificação estão abertas uma para a outra e não anulam o consenso nas verdades básicas.


41. Com isso também as condenações doutrinais do século XVI, na medida em que dizem respeito à doutrina da justificação, aparecem sob uma nova luz:  a doutrina das Igrejas luteranas apresentada nesta Declaração não é atingida pelas condenações do Concílio de Trento. As condenações contidas nos escritos confessionais luteranos não atingem a doutrina da Igreja católica romana exposta nesta Declaração.

42. Com isso não se tira nada da seriedade das condenações doutrinais referentes à doutrina da justificação. Algumas delas não eram simplesmente infundadas; elas conservam para nós "o significado de advertências salutares", que devemos observar na doutrina e na prática [21].

43. Nosso consenso em verdades básicas da doutrina da justificação precisa surtir efeitos e comprovar-se na vida e na doutrina das Igrejas. A respeito existem ainda questões de importância diversificada que exigem ulteriores esclarecimentos. Entre outras, por exemplo, a relação entre a palavra de Deus e doutrina eclesiástica, bem como a doutrina a respeito da Igreja, da autoridade na Igreja, de sua unidade, do ministério e dos sacramentos, e finalmente a doutrina da relação entre justificação e ética social. Temos a convicção de que a compreensão comum obtida oferece uma base sólida para esse esclarecimento. As Igrejas luteranas e a Igreja católica romana continuarão se empenhando por aprofundar a compreensão comum e fazê-la frutificar na doutrina e na vida eclesiais.
44. Damos graças ao Senhor por este passo decisivo rumo à superação da divisão da Igreja. Rogamos ao Espírito Santo que nos conduza adiante para aquela unidade visível que é a vontade de Cristo.


Notas

 1) Os artigos de Esmalcalde II, 1 (Livro de concórdia:  as confissões da Igreja Evangélica Luterana, 3ª ed., São Leopoldo, Sinodal, Porto Alegre:  Concórdia, 1983, pág. 312).
 2) "Rector et iudex omnia genera doctrinarum" (Edição de Weimar das obras de Lutero, 39/I, 205).
 3) Note-se que uma série de Igrejas luteranas adotaram como base doutrinária compromissiva somente a Confissão de Ausburgo e o Catecismo Menor de Lutero. Estes escritos confessionais não contêm condenações doutrinais referentes à doutrina da justificação em relação à Igreja católica romana.
 4) COMISSÃO MISTA NACIONAL CATÓLICO-LUTERANA, O evangelho e a Igreja, s.d.
 5) GEMEINSAME RÖMISCH-KATHOLISCHE/EVANGELISCH-LUTHERISCHE KOMMISSION (ed.), Kirche und rechtfertigung:  Das Verständnis der Kirche im Licht der Rechtfertigungslehre, Paderborn/Frankfurt, 1994.
 6) Lutherish/Römisch-Katholischer Dialog in den USA:  Rechtfertigung durch den Glauben (1983), in:  Harding MEYER, Günther GASSMAN (eds.), Rechtfertigung im ökumenischen Dialog: Dokumente und Einführung, Frankfurt, 1987, pp. 107-200. Em ingles:  Lutherans and Catholics in Dialogue, Minneapolis, 1985, vol. VIII.
 7) Lehrverurteilungen - Kirchentrennend?:  vol. I:  Karl LEHMANN, Wolfhart PANNENBERG (eds.), Rechtfertigung, Sakramente und Amt im Zeitalter der Reformation und heute, Friburgo/Göttingen, 1986.
 8) Gemeinsame Stellungnahme der Arnolshainer Konferenz, der Vereinigten Kirche und des Deutschen Nationalkomitees des Lutherischen Weltbundes zum Dokument "Lehrverteilungen - kirchentrennend?", Ökumenische Rundschau, v. 44, pp. 99-102, 1995; incluindo os posicionamentos que servem de base a essa resoluçao, cf. Lehrveruteilungen im Gespräch:  Die ersten ofiziellen Stellungnahmen aus den evangelischen Kirchen in Deustschland, Göttingen, 1983.
 9) Na presente DC a palavra "Igreja" reproduz a respectiva autocompreensao das Igrejas participantes, sem que com isso se queira considerar resolvidas todas as questoes eclesiológicas a ela associadas.
10) Cf. Relatório de Malta nn. 26-30; Rechtfertigung durch den Glauben, nn. 122-147. Por incumbencia do diálogo sobre a justificaçao nos EUA, os testemunhos neotestamentários nao-paulinos foram examinados por John REUMANN, Righteousness in the New Testament, com reaçoes de Joseph A. FITZMEYER e Jerome D. QUINN (Filadélfia/Nova Iorque, 1982), pp. 124-180. Os resultados deste estudo estao compilados no relatório de diálogo Justification by Faith[em alemao:  Rechtfertigung durch den Glauben], nos nn. 139-142.
11) Cf. "Alle unter einem Christus", n. 14, in:  Dokumente wachsender Übereinstimmung, vol. I, pp. 323-328.
12) Cf. WA 8, 106.
13) Cf. DS 1528.
14) Cf. DS 1530.
15) Cf. Apologia da Confissao de Ausburgo II, 38-45.
16) Cf. DS 1515.
17) Cf. DS 1515.
18) Cf. DS 1545.
19) Cf. DV 5.
20) Cf. DV 4.
21) Lehrverurteilungen - Kirchentrennend?, 32.

FONTE: http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/chrstuni/documents/rc_pc_chrstuni_doc_31101999_cath-luth-joint-declaration_po.html 

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Resumo de Ética a Nicômaco de Aristóteles

Ética a Nicômaco : Aristóteles 

Esse livro intitulado como Ética a Nicômaco foi escrito por Aristóteles e dedicado ao seu pai chamado Nicômaco. Essa obra é composta por dez livros, no qual Aristóteles assume o papel de um pai preocupado com a educação e a felicidade de seu filho, mas não somente isso, mas também a intenção de fazer com que as pessoas reflitam sobre as suas ações e coloque a razão acima das paixões, buscando a felicidade individual e coletiva, pois o ser humano é um ser social e suas práticas devem visar o bem comum.

Biografia:

Aristóteles foi o primeiro pesquisador cientifico. O pensamento aristotélico tomou um rumo diferente do de Platão, pois ele apoiou-se no espírito de observação, próprio das ciências em sentido empírico.Também se preocupou em estudar muitas obras anteriores, prova disso, são as varias citações feitas de obras anteriores no seu livro.Compreendeu a necessidade de integrar o pensamento anterior a sua própria pesquisa Tratou-se de conceituação de palavras e termos num sentido amplo, aprofundado.

Nasceu em Estagira – Macedônia em 384 a.C.. Era filho do medico Nicômaco, da corte do Rei Amintas II, pai de Filipe da Macedônia. Ainda na adolescência, dirigiu-se para Atenas, pois na época era para esta cidade que os jovens procuravam ir para terem uma boa formação. Duas escolas atraiam a atenção, a do sofista Isócrates, e a de Platão. Com a morte de Alexandre (323), Aristóteles teve de fugir a perseguição dos democratas atenienses, refugiando-se em Calcide, na Eubeia onde morreu em322 a.C.

As principais obras de Aristóteles agrupadas por matérias, são: (1) Lógica: Categorias, Da interpretação, Primeiro e segundo analíticos, Tópicos, Refutações dos sofistas; (2) Filosofia da Natureza: física; (3) Psicologia e antropologia: Sobre a alma, alem de um conjunto de pequenos tratados físicos; (4) Zoologia: Sobre a historia dos animais; (5) Metafísica: Metafísica; (6) Ética: Etica a Nicômaco, Grande Ética, Ética a Eudemo; (7) Política: Política, Economia; (8) Retórica e poética: Retórica, Poética.

O dualismo platônico – o mundo da inteligência separado do mundo das coisas sensíveis – visava antes de tudo a salvar a ciência, estabelecendo a coerência necessária entre o conceito e seu objeto. O realismo de Aristóteles procura restabelecer essa coerência sem abandonar o mundo sensível: explora a experiência, e nela mesma insere o dualismo entre o inteligível e o sensível.

Lógica: Nos primeiros séculos da era cristã, os escritos lógicos de Aristóteles foram reunidos sob a denominação de Organom.
Metafísica: Sob esse titulo estão reunidos 14 livros de Aristóteles que tratam do ser no sentido mais amplo ou mais radical. Duas questões se destacam na metafísica aristotélica: a da unidade do ser e a da existência de essências separadas.

Ética e política: No dialogo perdido Da justiça já se anunciavam alguns dos temas expostos nos oito fragmentos reunidos por Andronico sob o titulo de Política. Escritos ao longo de toda a vida de Aristóteles, são tudo o que resta da sua obra sobre o assunto. Foi o primeiro filosofo a distinguir a ética da política, centrada a primeira na ação voluntária e moral do individuo enquanto tal, e a segunda, nas vinculações deste com a comunidade.

Poética: Confere grande relevo a sua teoria da tragédia, que exerceu notável influencia sobre o teatro desde a época do Renascimento.

Física e Ciências naturais: É a realidade sensível, na qual a idéia é inteiramente envolvida pela matéria. O físico deve possuir um acurado espírito de observação. A realidade natural, em seus aspectos mais gerais, é autônoma, contrapondo-se a espontaneidade acidental que exprime os efeitos inesperados que as coisas produzem em nos.

Resenha Livro I:

Toda arte e toda investigação, bem como toda ação e toda a escolha, visam a um bem qualquer; e por isso que o bem é aquilo a que as coisas tendem. Mas entre os fins observa-se uma certa diversidade: alguns são atividades, outros são produtos distintos das atividades das quais resultam; e onde há fins distintos das ações, tais fins são, por natureza, mais excelentes do que as últimas.

Se existe para as coisas que fazemos, algum fim que desejamos pro si mesmo e tudo o mais é desejado por causa dele, evidentemente tal fim deve ser o bem, ou melhor, o sumo bem. Esse bem é objeto da ciência mais prestigiosa e que prevalece sobre tudo. Esta é a ciência política, pois é ela que determina quais as ciências que devem ser estudadas em uma cidade-estado. A finalidade dessa ciência deve abranger a finalidade das outras, de maneira que essa finalidade deverá ser o bem humano.

As ações belas e justas, que a ciência política investiga, admitem grande variedade e flutuações de opinião. Devemos contentar-nos em indicar a verdade de forma aproximada e sumária. Pois é característica do homem instruído buscar a precisão. É em torno dos fatos da vida que giram as discussões referentes à ciência política.

Todo conhecimento e todo trabalho visa a algum bem, procuremos então o mais alto de todos os bens que se podem alcançar pela ação. Esse bem supremo é a felicidade e consideram que o bem viver e o bem agir equivalem a ser feliz.

Quem quiser ouvir com proveito as exposições sobre o que é nobre e justo, é preciso ter sido educado nos bons hábitos. O fato é o princípio, ou ponto de partida, ele deve ser claro para o ouvinte, sem ter necessidade de explicar porque é assim.

Pode-se dizer com efeito, que existem três tipos principais de vida: a vida agradável, a vida política e a vida contemplativa.

Os homens de discernimento parecem buscar a honra visando ao reconhecimento de seu valor, para eles a virtude é mais excelente do que o título ou o status.

Quanto a vida dedicada a ganhar dinheiro, é uma vida forçada, e a riqueza não é, o bem que estamos procurando: trata-se de uma coisa útil, nada mais, e desejada no interesse de outra coisa. A piedade exige darmos primazia à verdade.

O termo bem é usado tanto na categoria de substância, quanto na de qualidade e na de relação, e o que existe por si mesmo, ou seja, a substância, é anterior por natureza ao relativo, então, não pode haver uma idéia comum a ambos esses bens. É evidente que o bem não pode ser algo único e universalmente presente em todos os casos, pois se fosse assim, ele não poderia ter sido predicado em todas as categorias, mas apenas em uma. A ciência e uma só, teria de haver uma única ciência de todos os bens. Mas o fato é que as ciências são muitas, mesmo das coisas compreendidas em uma só categoria: por exemplo, a da oportunidade, pois esta, na guerra, é estudada pela estratégia, e na saúde pela medicina, e a moderação nos alimentos é estudada na medicina, e nos exercícios, pela ciência da educação física.

Os pitagóricos parecem fazer uma concepção mais plausível acerca do bem quando põe o “um” na coluna dos bens. Poder-se-ia objetar ao que acabamos de dizer, o fato de que eles (os platônicos) não falam de todos os bens, e que os bens buscados e amados por si mesmos são chamados bons em referência a uma idéia única. Separemos, portanto, as coisas boas em si mesmas das coisas úteis, e vejamos se as primeiras são chamadas boas em referencia a uma única idéia.

Quanto à honra, a sabedoria e ao prazer, no que concerne a sua bondade, os conceitos são diversos e distintos. Do mesmo modo que a visão é boa para o corpo, a razão é boa para a alma.

Os bens que são atingíveis e realizáveis e usando-o como uma espécie de padrão, conhecermos melhor os bens que verdadeiramente são bons para nos, e, desse modo, poderemos atingi-los. Ele se mostra diferente nas diversas ações e artes. Em função de alguma outra coisa, segue-se que nem todos os fins são absolutos; mas o bem supremo é claramente algo absoluto. Chamamos de absoluto e incondicional aquilo que é sempre desejável em si mesmo e nunca no interesse de outra coisa.

Ora, parece que a felicidade, acima de qualquer outra coisa, e considerada como esse sumo bem. Ela é buscada sempre por si mesma e nunca no interesse de uma outra coisas; enquanto a honra, o prazer, a razão, e todas as demais virtudes, ainda que as escolhamos por si mesmas, fazemos isso no interesse da felicidade, pensando que por meio dela seremos felizes. Mas a felicidade ninguém a escolhe tendo em vista alguma outra virtude, nem, de uma forma geral, qualquer coisa alem dela própria.

A mesma conclusão o raciocínio parece levar, considerado sob o ângulo da auto-suficiência, visto que o bem absoluto é considerado auto-suficiente, já que o homem é um animal político. Definimos a auto-suficiência como aquilo que, em si mesmo, torna a vida desejável por não ser carente de nada. E é desse modo que entendemos a felicidade. A felicidade é algo absoluto e auto-suficiente, e a finalidade da ação. Mas dizer que a felicidade é o bem supremo talvez pareçam uma trivialidade.

Estamos agora, buscando saber o que é peculiar ao homem. Excluamos, pois, as atividades de nutrição e crescimento. Resta, portanto, a atividade do elemento racional do homem, desta, uma parte tem esse principio racional no sentido de ser obediente a ele, e a outra, no sentido de possuí-lo e de pensar.

A função do homem é uma atividade da alma que implica um principio racional com ações da alma boas e nobre. O bem do homem vem a ser a atividade da alma em consonância com a virtude e, se há mais de uma virtude, em consonância com a melhor e mais completa entre elas.

O progresso das artes deve-se ao fato de que qualquer um pode acrescentar o que está faltando. Devemos igualmente recordar o que foi dito antes e não ficar insistindo em encontrar a precisão em tudo, mas, em cada classe de coisas, devemos buscar apenas a precisão que o assunto comporta, e ate o ponto que for apropriado à investigação. O fato é o ponto de partida dos primeiros princípios. Eles têm grande influencia na seqüência da investigação.

Os bens têm sido divididos em três classes; alguns foram descritos como exteriores, e outros como relativos à alma ou ao corpo. Consideramos os bens que se relacionam com a alma como bens no mais próprio e verdadeiro sentido do termo, e como tais classificaram as ações e atividades psíquicas. O homem feliz vive bem e age bem, visto que definimos a felicidade como uma espécie de boa vida e boa ação.
Os prazeres estão em conflito uns com os outros porque não são aprazíveis por natureza. O homem não se compraz com as ações nobres não é sequer bom; e ninguém chamaria de justo o homem que não sente prazer em agir justamente, nem liberal o que não sente prazer nas ações liberais e do mesmo modo com todas as outras virtudes.

Das coisas a mais nobre e mais justa, e a melhor é a saúde; porém a mais doce e ter o que amamos. A melhor atividade é a felicidade. A felicidade necessita igualmente dos bens exteriores. A definição de felicidade é: certa atividade da alma conforme a virtude. A felicidade é inerente ao homem. Para a felicidade é preciso não apenas virtude completa, mas também uma vida completa. O que consiste a felicidade são as atividades virtuosas, e as atividades viciosas nos conduzem a situação oposta. Pensamos que o homem verdadeiramente bom e sábio suporta com dignidade todas as contingências da vida e sempre tira o maior proveito das circunstancias.

A finalidade da vida política e o melhor dos fins, e que o principal empenho dessa ciência é fazer com que os cidadãos sejam bons e capazes de nobres ações.

A felicidade é louvável ou estimada? O louvor convém a virtude, fica claro que a felicidade é algo louvável e perfeito. Porque ela é o primeiro principio, pois fazemos todas as coisas tendo-a em vista, e o primeiro principio e causa dos bens é algo louvável e divino.

Uma vez que a felicidade é então, uma atividade da alma conforme a virtude perfeita, o homem verdadeiramente político é aquele que estudou a virtude acima de todas as coisas, visto que ele deseja tornar os cidadãos homens bons e obedientes às leis. A virtude que devemos examinar é a virtude humana, não a do corpo, mas a da alma. A alma é constituída de uma parte racional e outra privada de razão (o instinto). Louvamos um homem sábio referindo-nos a sua disposição de espírito, e as disposições de espírito louváveis chamamos virtudes.

Livro II:

Há duas espécies de virtude, a intelectual e a moral. A primeira deve, em grande parte, sua geração e crescimento ao ensino, e por isso requer experiência e tempo; ao passo que a virtude moral é adquirida em resultado do hábito, de onde o seu nome se derivou, por uma pequena modificação dessa palavra. As virtudes dá-se exatamente o oposto: adquirimo-las pelo exercício, tal como acontece com as artes. Nossas disposições morais ou caráter nascem de atividades semelhantes a elas. É por essa razão que devemos atentar para a qualidade dos atos que praticamos, pois nossas disposições morais correspondem às diferenças entre nossas atividades. Ser feliz é usar a razão com propriedade e fazer de tal modo que isso se torne uma virtude.

Devemos agora examinar a natureza dos atos, ou seja, como devemos praticá-los. Com efeito, os atos determinam a natureza das disposições morais.

O prazer ou a dor que sobrevêem aos atos devem ser tomados como sinais indicativos de nossas disposições morais. A excelência moral relaciona-se com prazer e sofrimento; é por causa do prazer que praticamos más ações, e por causa do sofrimento que deixamos de praticar ações nobres.

A virtude e o vício se relacionam com as mesmas coisas. Existem três objetos de escolha e três de rejeição: o nobre, o vantajoso, o agradável; e seus contrários, o vil, o prejudicial e o doloroso. Em relação a todos eles o homem bom tende a agir certo e o homem mal agir errado.

É pela prática de atos justos que o homem se torna justo.

Na alma se encontram três espécies de coisas – paixões, faculdades e disposições –, a virtude deve ser uma dessas. As virtudes não são paixões nem faculdades só podem ser disposições.

O meio-termo não é o único e nem o mesmo para todos, o excesso e a falta destroem a excelência dessas obras, ao passo que o meio-termo a preserva, virtude deve ter a qualidade de visar ao meio-termo.

A virtude é, então, uma disposição de caráter relacionada com a escolha de ações e paixões, e consistente numa mediania. A virtude é um meio-termo entre dois vícios, um dos quais envolve excesso e o outro falta, e isso porque a natureza da virtude é visar à mediania nas paixões e nos atos.

Livro III: 

Apenas as paixões e ações são louvadas ou censuradas, ao passo que as involuntárias recebem perdão e às vezes inspiram compaixão, parece necessária a quem estuda a natureza da virtude a distinção entre o voluntário e o involuntário. São consideradas involuntárias aquelas ações que ocorrem sob compulsão ou por ignorância.

Tudo o que é feito por ignorância é não-voluntario, e só o que produz sofrimento e arrependimento é involuntário. Tendo definido o voluntário e o involuntário, devemos passar agora ao exame da escolha, a qual, com efeito, parece estar mais intimamente ligada a virtude do que as ações.

Agir por ignorância também parece diferir de agir na ignorância.

O desejo se relaciona com os fins, e a escolha com os meios. A escolha é louvada pelo fato de relacionarem-se com o objeto conveniente ou por ser acertada, ao passo que a opinião é louvada quando é verdadeira. Escolhemos o que sabemos ser melhor. A escolha é um desejo deliberado de coisas que estão ao nosso alcance, pois, após decidir em decorrência de uma deliberação, passamos a desejar de acordo com o que deliberamos.

O desejo tem por objetivo o fim, algumas pessoas pensam que esse fim é o bem. No sentido absoluto e verdadeiro o objeto de desejo é o bem, mas para cada pessoa em particular é o bem aparente. Escolhemos o agradável como um bem e evitamos o sofrimento como um mal. Os fins aquilo que desejamos, e os meios aquilo sobre o que deliberamos e que escolhemos as ações relativas aos meios devem concordar com a escolha e ser voluntárias.

É preciso ter nascido com uma visão moral. Dessa qualidade é a excelência perfeita no que tange aos dotes naturais.

Homem bom adota voluntariamente os meios, a virtude é voluntária, e o vicio não será menos voluntário. As virtudes são meios e também são disposições de caráter, que, alem disso, tendem por sua própria natureza a realização dos atos pelos quais elas são produzidas; que dependem de nós, são voluntárias e agem de acordo com as predisposições da regra justa.

As virtudes são como: coragem. A coragem é um meio-termo em relação aos sentimentos de medo e temeridade. A coragem é um meio-termo no que tange as coisas que inspiram confiança ou temor. Não são corajosas essas criaturas que são impelidas para o perigo pelo sofrimento ou a paixão. A coragem devida à paixão parece ser a mais natural. É por enfrentarem o que é penoso que os homens são chamados corajosos.

Depois da coragem, falaremos da temperança, visto que estas parecem ser as virtudes da parte irracional da alma. Dissemos que a temperança e um meio-termo em relação aos prazeres. A intemperança parece uma disposição mais voluntária do que a covardia, portanto a intemperança é mais involuntária, e por isso mesmo ela é mais censurável. Mas a covardia parece ser voluntária em grau diferente de suas manifestações particulares.

Livro IV:

Falemos agora da liberalidade. Aparentemente ela é o meio-termo em relação à riqueza. A riqueza será melhor usada pelo homem que possui a virtude relacionada com a riqueza, e esse é o homem liberal. É mais próprio da virtude fazer o bem do que recebê-lo, bem como praticar ações nobres mais do que abster-se de ações ignóbeis.

O termo liberalidade e usado considerando as posses de um homem, pois essa virtude não reside na grande quantidade de dádivas, mas na disposição de caráter de quem dá, e esta é proporcional as suas posses. A liberalidade é um meio-termo entre dar e obter riquezas.

A avareza consiste em duas coisas: a deficiência no dar e o excesso no tomar.

Uma disposição de caráter e determinada pelas suas atividades e pelos seus objetos. É o caráter do homem magnificente. O homem que se inclina para o excesso e é vulgar e extravagante excede-se, gastando além do que seria justo.

A magnanimidade, até por seu nome, parece relacionar-se com coisas grandiosas, é o que busca a grandeza da alma.

Magnânimo é o homem que se considera digno de grandes coisas e está a altura delas. Aquele que é pouco merecedor e assim se considera é temperante e não magnânimo. Homem verdadeiramente magnânimo deve ser necessariamente bom. A grandeza em todas as virtudes deve ser característica do homem magnânimo. É preciso para ser magnânimo possuir um caráter bom e nobre. Conduzir-se-á também com moderação no que diz respeito ao poder. Pois somente os homens bons merecem ser distinguido com honras.

A calma e um meio-termo em relação à cólera. A falta quer seja ela um tipo de pacatez, quer outra coisa, é censurável, são considerados tolos.

Uma vez que a vida é feita não só de atividade, mas também de repouso, e este inclui o lazer e o entretenimento, parece haver aqui também uma espécie de intercambio que se relaciona com o bom gosto.

Livro V:

No que diz respeito a justiça e a injustiça devemos indagar com que espécie de ações se relacionam elas, que espécie de meio-termo é a justiça. Justiça é a virtude completa, por isso, a justiça é muitas vezes considerada a maior das virtudes. Justiça é a virtude completa no mais próprio e pleno sentido do termo, porque é o exercício atual da virtude completa. Ela é completa porque a pessoa que a possui pode exercer sua virtude não só em relação a si mesmo, como também em relação ao próximo.

O justo é, por conseguinte, uma espécie de termo proporcional, a proporção é uma igualdade de razões, envolve no mínimo quatro termos. Temos então que a justiça distributiva é a conjunção do primeiro termo de uma proporção com o terceiro, e do segundo com o quarto, e o justo neste sentido é o meio-termo, e o injusto é o que viola a proporção, pois o proporcional é o intermediário, e o justo é o proporcional, de proporção geométrica.

O justo é o proporcional, e o injusto é o que viola a proporção. O igual é o meio-termo entre a linha maior e alinha menor, de acordo com uma proporção aritmética, e essa e a origem do termo justo, onde o juiz é que media a situação.

O justo é intermediário entre uma espécie de ganho e uma espécie de perda nas transações que não são voluntárias, e consiste em ter uma quantidade igual antes e depois da transação.

A reciprocidade deve fazer-se de acordo com uma proporção e não na base de uma retribuição exatamente igual, e é pela retribuição proporcional que a cidade se mantém unida.

A justiça é uma espécie de meio-termo, mas não no mesmo sentido que as outras virtudes, e sim porque ela se relaciona com uma quantia ou quantidade intermediaria, ao passo que a injustiça se relaciona com os extremos. O magistrado é um guardião da justiça e, portanto, também guardião da igualdade.

Uma classe de atos justos se compõe de atos que estão em consonância com alguma virtude e que são prescritos pela lei.

Livro VI:

Dividimos as virtudes da alma e dissemos que algumas são virtudes do caráter e outras do intelecto. Dissemos antes que a alma tem duas partes: a que concebe uma regra ou principio racional, e a privada de razão. Façamos agora uma distinção semelhante no interior da primeira, admitindo que sejam duas as partes racionais: uma pela qual contemplamos as coisas cujas determinantes são invariáveis, e outra pela qual contemplamos as coisas passiveis de variação.

A virtude de algo se relaciona com o seu funcionamento apropriado, e são três os elementos da alma que controlam a ação e a verdade: sensação, razão e desejo. A afirmação e negação no raciocínio correspondem à busca e a repulsa na esfera do desejo. A virtude moral é uma disposição de caráter relacionado com a escolha, e a escolha é um desejo deliberado.

O conhecimento científico é um estado que nos torna capazes de demonstrar se um homem tem conhecimento cientifico quando tem uma convicção a qual chegou de determinada maneira, e conhece os pontos de partida, pois se estes últimos não lhe são mais bem conhecidos do que a conclusão, ele terá o conhecimento de modo puramente acidental. A arte é uma capacidade raciocinada de produzir, e não há arte alguma que não seja uma capacidade dessa espécie.

Julga-se que seja característico de um homem dotado de sabedoria pratica ser capaz de deliberar bem acerca do que é bom e conveniente para ele, não sob um aspecto particular, mas sobre aqueles que contribuem para a vida boa de um modo geral. Sabedoria pratica não pode ser ciência, nem arte. É uma capacidade verdadeira e raciocinada de agir no tocante as coisas que são boas ou más para o homem. A sabedoria prática é uma virtude e não uma arte. As pessoas ignorantes são mais praticas que aquelas que têm sabedoria teórica porque elas agem de forma instintiva ou instantânea, enquanto que as sabias agem com raciocínio, portanto necessitam de mais tempo.

As disposições da alma pelas quais possuímos a verdade são: o conhecimento científico, a sabedoria prática, a sabedoria filosófica e a razão intuitiva, e se a disposição da alma pela qual aprendemos as primeiras causas não pode ser nenhuma das três primeiras, resta somente uma alternativa, a saber, que é a razão intuitiva que aprende os primeiros princípios. A sabedoria deve ser uma combinação da razão intuitiva com o conhecimento científico. A sabedoria política e a sabedoria prática correspondem à mesma disposição de alma, porém sua essência não é a mesma.

Também temos como virtudes a inteligência e a perspicácia. A inteligência não consiste em ter ou adquirir sabedoria prática, mas assim como aprender é chamado entendimento quando significa o exercício da faculdade de conhecer.

Discernimento é a faculdade pela qual os homens são juizes humanos, a reta discriminação do eqüitativo. Um homem eqüitativo é, sobretudo, um homem de discernimento humano.

A função de um homem somente é perfeita quando esta de acordo com a sabedoria prática e com a virtude moral, pois esta faz com que nosso objetivo seja certo, e a sabedoria prática, com que escolhemos os meios certos. Não é possível possuir sabedoria prática sem ser bom. Sócrates estava errado em pensar que todas as virtudes fossem formas de sabedoria prática, e certo em pensar que as virtudes implicavam sabedoria prática.

Então, não é possível ser bom, no sentido estrito da palavra, sem sabedoria prática, nem é possível ter essa sabedoria sem ter a virtude moral.

Livro VII:

Há três espécies de disposições morais a ser evitadas: o vício, a incontinência e a bestialidade. As disposições contrárias a duas delas são evidentes: uma chamou de virtude e a outra de continência. Se os homens se tornaram deuses pelo excesso de virtude, evidentemente deve ser dessa espécie a disposição contrária a bestialidade.

Agora discutiremos a incontinência e a frouxidão (efeminação), e também suas disposições contrárias, a continência e a fortaleza. Considera-se que tanto a continência quanto a fortaleza estão incluídas entre as coisas boas e louváveis, e que tanto a incontinência quanto a frouxidão incluem-se entre as coisas más e censuráveis.

Em primeiro lugar devemos investigar se as pessoas incontinentes agem tendo ou não ciência de seus atos, e em que sentido; e a seguir investiguemos com que espécie de objetos se relaciona o homem incontinente e o continente, e se as pessoas continentes e as dotadas de fortaleza são as mesmas ou diferentes; e analogamente no que diz respeito aos outros assuntos de nossa investigação. A continência é a moderação e a incontinência o exagero ou exaltação. A bestialidade é um mal menor do que o vício.

O hábito é adquirido pela prática, ate fazer-se próprio da natureza humana, no seu raciocínio instantâneo.
Nos versos de Homero que fala sobre o cinto bordado de Afrodite: E ali estão os sussurros de amor, tão sutis que roubam a razão aos mais sábios espíritos. O seu apetite por Afrodite venda a sua razão, e ele age pela emoção.

Um homem mau causará muito mais mal do que um animal irracional.

A diversão é um relaxamento da alma, visto que é uma pausa no trabalho; e o homem que gosta demasiadamente de diversões excede-se em tais coisas. Entre as espécies da incontinência, uma é a impetuosidade, e outra é a indolência. O homem incontinente é como aqueles que se embriagam rapidamente e com pouco vinho. Uma vez que as pessoas incontinentes tendem a buscar, não por convicção, prazeres do corpo que são excessivos e contrários a reta da razão.

Como diz Eveno, o hábito é tão-somente uma longa prática que por fim faz-se natureza.

O estudo do prazer e do sofrimento também pertence ao campo do filosófico político, pois ele é o arquiteto do fim com vista no qual dizemos que uma coisa é má e outra é boa, em absoluto. Os argumentos em favor do ponto de vista dos que negam absolutamente que o prazer seja um bem são: todos os prazeres são processos conscientes em direção a uma disposição natural. Os prazeres que não envolvem sofrimento não admitem excesso, e esses se incluem entre as coisas agradáveis por natureza.

Terminamos aqui nossa discussão acerca da continência e da incontinência, e do prazer e do sofrimento, mostramos o que cada um é em si, e em que sentido alguns são bons e outros maus. Agora nos resta falar da amizade.

Livro VIII:

É necessário fazer uma discussão acerca da natureza da amizade, já que é uma virtude ou implica virtude, e alem disso é extremamente necessária a vida.

Ela estimula a prática de nobres ações, pois com amigos – dois que andam juntos – as pessoas são mais capazes de agir e de pensar. Quando os homens são amigos não necessitam de justiça, ao passo que mesmo os justos necessitam também da amizade; e considera-se que a mais autentica forma de justiça é uma espécie de amizade.

As pessoas amam por três motivos. Para o amor dos objetos inanimados não empregamos a palavra “amizade”, visto que não ocorre neste caso reciprocidade de afeição. É em espécie também que diferem as correspondentes formas de amor e amizade.

Aqueles que fundamentam sua amizade no interesse amam-se por causa de sua utilidade, por causa de algum bem que recebem um do outro, mas não amam um ao outro por si mesmo. O mesmo se pode dizer a respeito dos que se amam por causa do prazer, não é por causa do caráter que os homens amam por causa do prazer; não é por causa do caráter que os homens amam as pessoas espirituosas, mas porque as consideram agradáveis. Desse modo, os que amam as outras pessoas por interesse, amam pelo que são bons para eles mesmos, e agradável a eles, e não porque o outro é a pessoas amada, mas porque ela é útil ou agradável.

A amizade perfeita é aquela que existe entre os homens que são bons e semelhantes na virtude, pois tais pessoas desejam o bem um ao outro de modo idêntico, e são bons em si mesmos. O amor e amizade, portanto, ocorrem principalmente e em sua melhor forma entre homens desta espécie. Uma amizade desta espécie exige tempo e intimidade. O mesmo vale para a amizade que busca a utilidade, pois as pessoas boas também são úteis reciprocamente.

Uma vez que a amizade divide-se em duas espécies, os maus serão amigos visando à utilidade ou ao prazer, pois com relação a esse aspecto se assemelharão um ao outro; entretanto, os bons serão amigos por eles mesmos, isto é, por causa da sua bondade. Eles, portanto, são amigos no sentido absoluto da palavra.
Parece que o amor é um sentimento e a amizade é uma disposição de caráter.

Não se pode ser amigo de muitas pessoas no sentido de ter com elas uma amizade perfeita, da mesma maneira que não se podem amar muitas pessoas ao mesmo tempo. Pois não passam juntos os seus dias, nem se comprazem na companhia uma da outra; e estas são consideradas as características marcantes da amizade e do amor. É preciso, para uma amizade perfeita, que as duas partes adquiram experiência recíproca e se tornem intimas, e isso custa muito esforço.

A amizade e a justiça parecem se relacionar com os mesmos objetos e manifestar-se entre as mesmas pessoas.

Há três espécies de constituição e igual número de desvios ou perversões, por assim dizer, daquelas. São elas: a monarquia, a aristocracia, e em terceiro lugar a que se baseia na posse de bens e que seria talvez apropriado chamar timocracia, embora a maioria chame governo do povo.

Nas amizades que se baseiam na virtude não surgem queixas; aqui, a intenção do benfeitor é uma espécie de medida, uma vez que na intenção se encontra o elemento essencial da virtude e do caráter. O homem que não contribui com nada para o bem comum não é distinguido com honras, pois o que pertence à comunidade. Não é possível receber ao mesmo tempo riqueza e honra do patrimônio comum.

Livro IX:

As relações amigáveis com o seu semelhante e as características pelas quais se definem as amizades parecem derivar das relações de um homem para consigo mesmo. Definimos um amigo como aquele que deseja e faz, ou parece desejar e fazer o bem no interesse de seu amigo, ou como aquele que deseja que seu amigo exista e viva por si mesmo, ou também o amigo como aquele que vive na companhia de uma outra pessoa e tem os mesmos gostos que essa pessoa.

A benevolência é um elemento da relação amigável, mas não é a amizade. A conformidade de opinião também parece ser uma relação amigável; ela não é identidade de opinião. Quando os homens têm a mesma opinião sobre o que é de seu interesse, escolhem as mesmas ações e fazem em comum aquilo que decidiram.

Todos os homens aprovam e louvam os que se dedicam com empenho excepcional em ações nobres; concorreria para o bem comum e cada um asseguraria para si os maiores bens, uma vez que a virtude é o bem maior que existe. Por isso, a pessoa boa deve ser amiga de si mesma (pois ela mesma se beneficiará com a prática de atos nobres, ao mesmo tempo em que beneficiará o seu próximo).

O homem é um ser político e está em sua natureza viver em sociedade. E certamente é melhor passar os dias com amigos e pessoas boas que com estranhos ou companheiros casuais. Desse modo, o homem feliz necessita de amigos, que precisam ser virtuosos.

A felicidade é uma atividade, algo que nos pertence. Considera-se que o homem feliz deve ter uma vida agradável.

Livro X:

Depois desses assuntos parece que devemos examinar o prazer. Pensa-se também que comprazer-se com as coisas apropriadas e desprezar as que se deve desprezar tem grande influencia na formação do caráter virtuoso. O prazer não é um meio-termo, pois é antagônico ao sofrimento, portanto deve-se objetivar o agradável ou satisfação que no caso quando for uma interação entre duas ou mais pessoas, todas devem se equivaler nesse sentimento. Devemos nos precaver do prazer, pois não podemos julgar com imparcialidade.
Depois de falarmos das virtudes, das formas de amizade e das várias espécies de prazer, resta-nos discutir em linhas gerais a natureza da felicidade, já que afirmamos que ela é o fim da natureza humana. A felicidade não está em passatempos e divertimentos, e sim nas atividades virtuosas e contemplativas.

A sabedoria prática também esta ligada ao caráter virtuoso e este a sabedoria prática, visto que os princípios desta são conformes as virtudes morais e a retidão moral é conforme a sabedoria prática. As virtudes morais, por estarem ligadas as emoções, devem também se relacionar a nossa natureza composta, e as virtudes morais de nossa natureza composta são humanas; por conseguinte, também são humanas a vida e a felicidade que lhes correspondem. Todavia, a excelência da razão e uma coisa a parte. Enquanto homem que convive com os outros, ele deseja praticar ações conformes à virtude, e desse modo também necessitara das coisas que facilitam a vida humana. Para-se proceder virtuosamente deve-se ter recursos moderados.

A felicidade perfeita é uma atividade contemplativa.

Alguns pensam que por natureza nos tornamos bons, outros pelo hábito, e outros pelo ensino, mas em decorrência de alguma causa divina.

Apenas em Esparta, ou quase exclusivamente nessa cidade, o legislador parece ter-se detido nas questões de educação e de trabalho.

Para completarmos da melhor maneira possível a nossa filosofia da natureza humana é necessário conhecer as leis profundamente.

Para compreensão da ética de Aristóteles é de suma importância saber que: os filósofos são os que amam e honram a razão acima de todas as coisas, conduzindo-se com justiça e nobreza.

Todas essas qualidades fazem com que o filosofo seja o mais feliz dos homens. O ser humano tem que se realizar virtuosamente naquilo que lhe é natural, a sua razão. Viver bem é viver de acordo com o bom desenvolvimento do espírito racional.

A razão deve dirigir o cotidiano, para dominar as paixões e criar bons hábitos, e a mediania entre as atitudes também é importante, pois estabelece um equilíbrio.

Resenha elaborada pelo acadêmico da Universidade Federal do Tocantins – Naldson Ramos da Costa Júnior

“Nós somos aquilo que fazemos repetidamente. Excelência, então, não é um modo de agir, mas um hábito” (Aristóteles)

Resenha revisada pelas acadêmicas da Universidade Luterana de Palmas – Daiany Alves Esclavassini, Mônica Maria Mendes e Laís Alves Teixeira.

FONTE:  http://projetophronesis.com/

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quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Idade das Trevas na Grécia Antiga

Idade das Trevas na Grécia Antiga liga-se a um período posterior ao das invasão dos dórios, no qual toda a rica estrutura comercial e urbana que tinham sido construídas até então chegam ao fim. A Idade das Trevas é caracterizada pela inutilização da escrita durante três séculos aproximadamente e pela reconstrução da sociedade grega.

A Ilha de Creta  acomodou importante história dos gregos, nela se desenvolveu a civilização minóica. Esta civilização teve uma rica cultura e foi capaz de gerar uma grande rota comercial no Mar Egeu e até mesmo estabelecer colônias na Ásia Menor. Mas por volta de 1.400 a.C. a ilha começa a ser invadida por povos indo-europeus  que seriam os responsáveis por uma ampla alteração nos padrões estabelecidos.
Os primeiros a invadir a Ilha de Creta foram os aqueus, dominando a principal cidade cretense, Knossos, e fundando a cidade de Micenas. Mesmo com uma tomada violenta dos aqueus sobre as terras na Ilha de Creta, ocorreu um intercâmbio entre a cultura que estava ali presente e a que acabava de chegar. A associação das duas culturas deu origem à cultura micênica.

Após este primeiro momento e implantação da cultura micênica vieram mais duas invasões de povos indo-europeus. A segunda invasão da ilha se deu pelo grupo que unia jônios e eólios, os quais chegaram pacificamente e se estabeleceram tranquilamente na Ilha de Creta assimilando os costumes micênicos. Já a terceira invasão foi a mais violenta e impactante na alteração dos hábitos cretenses. Os dórios invadiram a Hélade e dominaram a Ilha de Creta destruindo seus palácios. O povo que vivia na ilha tentou migrar como alternativa para sobrevivência. Primeiro se refugiaram em um canto da ilha e depois partiram para outros territórios no interior do continente, Ásia Menor e em regiões do Mar Mediterrâneo. Esse movimento é chamado de Primeira Diáspora Grega.

A presença dos dórios na Hélade foi muito impactante, foram os responsáveis por destruir tudo que havia sido construído até então. A civilização minóica tinha desenvolvido um intenso comércio no Mar Egeu, construído palácios e transformado cidades em importantes pólos urbanos. Em seguida, mesmo com a invasão violenta dos aqueus, a civilização micênica se aproveitou do legado da ilha para expandir mais ainda as relações comerciais e as colônias gregas. Todavia os dórios não ligaram para nada disso, destruíram todos os portos, arruinaram os pólos urbanos e por fim expulsaram a antiga civilização da ilha.

Após a chegada dos dórios teve início a Idade das Trevas na Grécia e os tempos mudaram. A sociedade foi toda alterada, os gregos passaram a viver em dependência de pequenas propriedades familiares. Era o início de uma nova fase de construção da sociedade. Todo o comércio foi perdido, os núcleos familiares produziam para a subsistência e o excedente era repartido com outros núcleos para que nenhum fosse superior. Com o tempo esses núcleos foram se fragmentando e a sociedade recebendo novas divisões, separava os possuidores das melhores terras, de terras nas periferias e aqueles que não tinham nenhum acesso à terra.

Essa fase rendeu muitos conflitos sociais devido a situação de carência vivida por grande parte da civilização grega contra uma aristocracia baseada na propriedade da terra. Muito dos costumes gregos foram alterados, os ritos funerários foram empobrecidos e principalmente o uso da escrita foi abandonado. Este é o principal fato para a determinação do período compreendido entre 1.200 a.C. e 800 a.C. como Idade das Trevas, os principais registros históricos sobre esse momento são os relatados na literatura épica de Homero bastante tempo depois, o alfabeto grego só voltaria a ser usado no século VIII a.C..

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Idade_das_Trevas_(Grécia)
http://www.brasilescola.com/historiag/a-idade-das-trevas-grega.htm
http://www.utexas.edu/courses/classicalarch/images.html



A Civilização Micênica

Civilização Micênica  é considerada uma das sociedades mais sofisticadas da cultura grega pela grande disseminação artística e pela avançada organização política que via as mulheres com igualdade.

Ela sobreviveu entre os anos de 1600 a.C. e 1050 a.C. com a invasão dos aqueus  na Grécia e se desenvolveu na ilha de Creta, ao sul do Mar Egeu, após dominarem os pelágios.

Entretanto, ao contrário das civilizações gregas mais antigas que adoravam uma deusa-mãe, os micênicos passaram a louvar Poseidon, que eles acreditavam ser o governador máximo da Terra. Acredita-se que nesta civilização se dá início às primeiras lendas da Mitologia Grega, pois ao fim deste período o deus principal passou a ser Zeus.

O sistema político e econômico era centrado na figura do rei, mas pouco se sabe sobre a hierarquia social da época. Alguns especialistas sustentam que, abaixo dos reis, havia uma forte organização militar detentora de grandes lotes de terra. Os escravos, trabalhadores livres e comerciantes faziam parte da escala social mais baixa.


Os micênicos eram grandes navegadores e construíram embarcações bem mais avançadas que as iniciadas pelosminóicos. Este povo, que se caracterizava pelo aspecto guerreiro, construiu barcos de carga que eram propícias ao combate. Como armamento, os micênicos começaram a utilizar o ferro e o bronze.

Por serem guerreiros, os micênicos ergueram extensas muralhas para proteger os palácios e os gigantescos edifícios funerários, como o Tumba de Atreu. Para proteger o acesso à cidadela de Micenas, eles construíram um complexo mural que ficou conhecido como Porta dos Leões.
As figuras micênicas eram marcadas por imagens horizontalizadas de cores fortes e figuras decorativas. A linguagem utilizada era uma variante denominada linear B que, segundo filólogos e especialistas, se tratava de uma forma inicial do grego.

Não se sabe ao certo qual foi o real motivo de desaparecimento dessa civilização, mas alguns historiadores acreditam que a invasão dos dórios na região de Creta foi o principal motivo. Os dórios acabaram com toda a potência marítima iniciada pelos micênicos e a ilha de Creta, que se tornara uma das regiões mais desenvolvidas da Grécia, perdeu sua hegemonia com sua divisão em cidades-Estado no período da Idade das Trevas grega.

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Civilização_micênica
http://www.lmc.ep.usp.br/people/hlinde/estruturas/tesouro.htm
http://www.willians.pro.br/disciplinas/hist_arte/Equipe_2_Micenas.ppt
http://evwg.wordpress.com/2008/11/08/greece-part-ii-the-next-step-in-the-wine-chain-the-mycenaean-epoch/


Os Dórios

Idade das Trevas na Grécia Antiga liga-se a um período posterior ao das invasão dos dórios, no qual toda a rica estrutura comercial e urbana que tinham sido construídas até então chegam ao fim. A Idade das Trevas é caracterizada pela inutilização da escrita durante três séculos aproximadamente e pela reconstrução da sociedade grega.

A Ilha de Creta  acomodou importante história dos gregos, nela se desenvolveu a civilização minóica. Esta civilização teve uma rica cultura e foi capaz de gerar uma grande rota comercial no Mar Egeu e até mesmo estabelecer colônias na Ásia Menor. Mas por volta de 1.400 a.C. a ilha começa a ser invadida por povos indo-europeus  que seriam os responsáveis por uma ampla alteração nos padrões estabelecidos.
Os primeiros a invadir a Ilha de Creta foram os aqueus, dominando a principal cidade cretense, Knossos, e fundando a cidade de Micenas. Mesmo com uma tomada violenta dos aqueus sobre as terras na Ilha de Creta, ocorreu um intercâmbio entre a cultura que estava ali presente e a que acabava de chegar. A associação das duas culturas deu origem à cultura micênica.

Após este primeiro momento e implantação da cultura micênica vieram mais duas invasões de povos indo-europeus. A segunda invasão da ilha se deu pelo grupo que unia jônios e eólios, os quais chegaram pacificamente e se estabeleceram tranquilamente na Ilha de Creta assimilando os costumes micênicos. Já a terceira invasão foi a mais violenta e impactante na alteração dos hábitos cretenses. Os dórios invadiram a Hélade e dominaram a Ilha de Creta destruindo seus palácios. O povo que vivia na ilha tentou migrar como alternativa para sobrevivência. Primeiro se refugiaram em um canto da ilha e depois partiram para outros territórios no interior do continente, Ásia Menor e em regiões do Mar Mediterrâneo. Esse movimento é chamado de Primeira Diáspora Grega.

A presença dos dórios na Hélade foi muito impactante, foram os responsáveis por destruir tudo que havia sido construído até então. A civilização minóica tinha desenvolvido um intenso comércio no Mar Egeu, construído palácios e transformado cidades em importantes pólos urbanos. Em seguida, mesmo com a invasão violenta dos aqueus, a civilização micênica se aproveitou do legado da ilha para expandir mais ainda as relações comerciais e as colônias gregas. Todavia os dórios não ligaram para nada disso, destruíram todos os portos, arruinaram os pólos urbanos e por fim expulsaram a antiga civilização da ilha.

Após a chegada dos dórios teve início a Idade das Trevas na Grécia e os tempos mudaram. A sociedade foi toda alterada, os gregos passaram a viver em dependência de pequenas propriedades familiares. Era o início de uma nova fase de construção da sociedade. Todo o comércio foi perdido, os núcleos familiares produziam para a subsistência e o excedente era repartido com outros núcleos para que nenhum fosse superior. Com o tempo esses núcleos foram se fragmentando e a sociedade recebendo novas divisões, separava os possuidores das melhores terras, de terras nas periferias e aqueles que não tinham nenhum acesso à terra.

Essa fase rendeu muitos conflitos sociais devido a situação de carência vivida por grande parte da civilização grega contra uma aristocracia baseada na propriedade da terra. Muito dos costumes gregos foram alterados, os ritos funerários foram empobrecidos e principalmente o uso da escrita foi abandonado. Este é o principal fato para a determinação do período compreendido entre 1.200 a.C. e 800 a.C. como Idade das Trevas, os principais registros históricos sobre esse momento são os relatados na literatura épica de Homero bastante tempo depois, o alfabeto grego só voltaria a ser usado no século VIII a.C..

Fontes:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Idade_das_Trevas_(Grécia)
http://www.brasilescola.com/historiag/a-idade-das-trevas-grega.htm
http://www.utexas.edu/courses/classicalarch/images.html